2007-03-15

Mesmo um pouco afastado da internet (por culpa de alguns vírus malditos) me mantive vivo olhando (e me revoltando) com as notícias dos telejornais. Me dei conta de uma coisa: o nosso passado não é evidente. Nem, muito menos, os resultados deste passado que permanecem até nossos dias.

Um exemplo bastante simples disso é a discussão ocorrida em ocasião da visita do presidente dos estados unidos ao Brasil. O assunto é o etanol que, nos esteites é feita através do beneficiamento do milho e aqui pela cana. O que mais se dizia era que os dois países eram os maiores produtores mundiais de etanol, sendo que o Brasil era o dono do primeiro posto. E não há viva alma que conteste que é importante que as coisas se mantenham assim, afinal, com a "criminalização" do petróleo, nada mais óbvio que o Brasil seja o novo Emirados Arabes, conseguindo diversos "etadólares" (ou, "etareais", diriam os mais empolgados).

Tenho alguns poréns nesta história, quase todos relacionados com a percepção de tempo de um quase historiador. O primeiro deles é resultado de uma pergunta que ninguém parece preocupado em responder: e quem é que vai ganhar com isso? Desde 1600 são os grandes fazendeiros que possuem as terras para plantar cana. Tu já viu uma cooperativa de plantadores de cana algum dia? Eu só vi bóias-frias, mão de obra miserável que vai continuar crescendo se a ONU fizer vista grossa (e os EUA aceitarem concorrência) com o aumento da produção de álcool. A lavoura de cana é muito mais excludente que a soja, por exemplo. Quem ganha é quem sempre ganhou com isso.

Outro porém é um pouco mais "conspiracionista", mas ainda assim, digno de nota, na minha interpretação. Embora muitos amigos já tenham me dito que é um exageiro, preciso lembrar que, antes do golpe de Fidel, os mais ricos membros da aristocracia cubana eram os fazendeiros de açúcar. Cuba e o Haiti eram os maiores concorrentes do açúcar brasileiro antes de se começar a plantar isso nas colônias portuguesas na África. O milho estadunidense não é tão rentável quanto a cana brasileira, o que me faz não descartar a possibilidade de outra "baía dos porcos", visto que a horda de Bush já mostrou pouco caso às designações da ONU e Fidel deve estar morto (se não fisicamente, pelo menos politicamente).

O porém final é que o álcool também é poluente. Ele é menos perigoso para o efeito estufa do que os combustíveis fósseis, tem uma queima mais limpa mas ainda assim, como qualquer combustão, atira toneladas de dióxido de carbono na atmosfera. Além disso, uma queima mal feita mantém os riscos de chuva ácida e também afeta a respiração das pessoas. O álcool deve ser uma solução temporária para os automóveis, o que vai proporcionar um lucro muito menor do que tiveram os países árabes.

Se esta minha análise estiver equivocada, pelo menos seria uma boa possibilidade para os países terceiro-mundistas ressucitarem a sua antiga aliança (começada pelo mesmo Fidel) e tentarem bolar algum tipo de crescimento organizado. Cana se planta, e apenas nos países de clima quente (os sub-desenvolvidos). Isso pode significar uma reedição da OPEP, um foco de poder incorruptível pelas grandes potências, que pode fazer uma entre duas coisas: ou reverter a balança das injustiças históricas, ou trazer novas guerras. Aguardemos os próximos capítulos.

ETANOL E COISAS PARA PENSAR

2007-03-02

Acho que não escrevi isso ainda por aqui, mas tenho que admitir: tenho muitos problemas com jornalistas. Vou citar dois, que para mim são os piores. O primeiro deles diz respeito aos ditos "especialistas". Não foi nem uma nem duas vezes que vi esses dando entrevistas na televisão. Uma vez falavam, na Rede Bandeirantes, sobre a guerra no Iraque. Chamaram para depoimento um "especialista em armas" - tratava-se de um jornalista gordo, de barba e óculos. Pra mim, especialista em armas poderia ser um instrutor de tiro, um policial, ou mesmo um militar que tenha passado a vida inteira dando tiros. Uma coisa é ler manual e revistas, outra é utilizar algo, viver algo.

A segunda, e pior delas, é o oportunismo e a incoerência. Estou farto de ver por aí aquele discursinho de "profissionalização" do jornalismo. Só pode escrever em jornal aquele que é formado; programas nas rádios, televisão, tudo, só tendo passado quatro anos em uma instituição de ensino superior. Não que isso ocorra sempre, mas é o que, em geral, o jornalista quer (a não ser que ele mesmo não seja formado). Mas, ao mesmo tempo, chovem biografias de pessoas famosas, livros "históricos" sobre fatos marcantes escritos por jornalistas. Enfim, o historiador não precisa ser formado tanto quanto o jornalista?

Sinceramente, acho que não. Não existe o menor problema que os jornalistas escrevam biografias, ou mesmo livros de história. Isso até pode enriquecer as discussões acadêmicas. Mas eles precisam se dar conta de que eles não sabem a verdade - eles tem uma versão do fato, carregada de algum tipo de simpatia. Isso faz com que a maioria absoluta dos trabalhos escritos por jornalistas (biografias, na quase totalidade) seja, na verdade, quase uma hagiografia. Não existe nenhuma crítica, apenas uma apologia a vida da pessoa, como se ela fosse perfeita e todos os seus oponentes inimigos cruéis. Não existe contextualização, nem uma tentativa de criação de saber conjunto, que possa dialogar com outras biografias de outros contemporâneos. São textos fracos em si, baseados em uma série de documentos que, da mesma forma, não são criticados e nem examinados se são verdadeiros.

Mas a pior parte é que outros jornalistas chamam estes jornalistas "e historiadores" para dar palestras como "especialistas", comentar seus livros e tudo mais. Nestes momentos é que a coisa todoa fica mais patética: ao invés da discussão do texto, existe uma defesa ferrenha da sua obra, como se ela fosse a verdade nua e crua (como alguns jurássicos professores do jornalismo pensam que deve ser a notícia) e não um ponto de vista de alguém interessado no assunto que dispôs um pouco de seu tempo para ler coisas que a maioria não lê. Se entre os profissionais existem muitas teorias e debates (também cheios de conflitos de egos, é verdade), como é que entre os amadores isso vai ser tão hermético? E é nas mãos destas pessoas que a maioria acaba achando que "aprendeu" alguma coisa.

DESABAFO